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Foto do escritorCarlos Antônio Pereira da Trindade

Almas Lavadas

19/12/2021, as primeiras pessoas ainda estavam se acomodando quando o cantor Ferdí subiu ao palco da 14ª edição do Rock Cerrado - Música e Ecologia. Ele estava acompanhado por Duka no teclado; Diogo Vanelli na bateria; e Cairo Vítor, na guitarra. O quarteto abriu o segundo dia do Festival executando um pop rock com pitadas psicodélicas, MPB e blues, além de outros ritmos. Canções agradáveis para curtir no ambiente do auditório do Centro de Ensino Médio 2 do Gama, com cadeiras fixas. O cantor agradeceu às pessoas que chegavam embaixo de chuva, às 16 horas e 20 minutos. O tempo chuvoso, em contraponto ao dia anterior, aplacou o calor dentro do auditório. Em determinado momento, Ferdí avisou que cantaria uma música feita em homenagem a Yansã, divindade das águas, "Rainha dos Raios". Encerrou-se a primeira atração do domingo às 16:55, mas Ferdí permaneceu no palco por algum tempo, respondendo às perguntas do apresentador Fernando Fernandes sobre sua experiência também como ator de teatro — as dificuldades em sobreviver da arte durante o tempo prolongado da pandemia.


O tempo voa! É preciso relembrar: A 14ª edição do Rock Cerrado - Música e Ecologia seria realizado em setembro de 2020, coincidindo com o encerramento da Semana do Cerrado, período de dias em que produção do Festival intensificaria campanhas educativas, com plantio de árvores. A pandemia, no entanto, fez com que o Projeto fosse adiado para o ano seguinte, mas passou setembro de 2021 e novas variantes do coronavirus impediram apresentações na Praça do Cine Itapuã, com acesso livre.


Uma das razões que pesaram para que a organização do Rock Cerrado - Música e Ecologia decidisse realizar o Festival de forma híbrida, com público presencial limitado e transmissão simultânea via internet, foi a incerteza quanto ao fim das restrições sanitárias; outra razão foi a série de chuvas intensas alagando cidades do DF a partir de novembro. Por fim, tornou-se irrevogável realizar a 14ª edição do Rock Cerrado até dezembro de 2021. Tal calendário foi acertado com as 32 bandas selecionadas para as quatro apresentações na fase seletiva. Dito tudo isso, voltemos a falar sobre música!


A segunda atração do segundo dia do Festival teve início por volta das 17 horas. O guitarrista Murilo Oliveira conquistou uma das vagas para estar no palco do CEM 2 do Gama por sua performance instrumental na fase seletiva de Valparaíso de Goiás. Leo Noya (na bateria) e João Vítor Lívio (no baixo), acompanharam o guitarrista. O trio mostrou muita personalidade e entrosamento, executando rock instrumental. Murilo explicou que uma das músicas se chamava "Casa" e foi composta durante a pandemia, quando enfrentaram dificuldades para ensaiar e se manter na ativa. Em seguida ele anunciou a participação especial da cantora Andreza Marques, que subiu ao palco afinadíssima, com entonações no estilo vocal jazz. Coisa chique!


Após a apresentação de Murilo Oliveira e convidados, aconteceu a premiação do concurso de poesias sobre preservação ambiental, realizado entre estudantes do Ensino Fundamental. As vencedoras do concurso, Aline Késia e Lia Moreira, subiram ao palco acompanhadas das mães para declamar suas poesias e receber o prêmio de 300 reais para cada uma das poetisas.


A terceira atração musical da noite foi o cantor indie rock Eduardo de Paula, que subiu ao palco às 17h50, tocando violão acompanhado por Lukas Monteiro na bateria; Thiago Araújo, no baixo; e Rhafa Denier, na guitarra. O vocal vigoroso e a alta qualidade instrumental deixaram o público impressionado. Pela reação da plateia, surpresa com o excelente nível musical, o cantor e os instrumentistas, embora fossem do Gama, não pareciam conhecidos pelo público presente. "Se as portas não se abrem a gente arromba", provocou com elegância Eduardo de Paula, que se classificou para a final do Rock Cerrado durante a fase seletiva de Ceilândia. Nas letras de suas canções e nos comentários diante da plateia, Eduardo de Paula discorreu sobre relações humanas: Trabalho, guerra, espiritualidade.


O relógio marcava 18 horas e 22 minutos quando a cantora Mariana Camelo, oriunda do Núcleo Bandeirante (cidade que serviu de base para a construção de Brasília) subiu ao palco com Daniel Moscardini, na bateria; Ian Mendes, no baixo; e Pedro Bap, na guitarra. Bem conhecida no cenário candango, Mariana havia se classificado na seletiva do Gama. Seguindo o critério de intercâmbio estabelecido pela produção, os artistas inscritos para concorrer às vagas na fase final do Rock Cerrado se apresentaram "fora de casa" durante as seletivas, ou seja, em cidades diferentes das de origem declarada. Esse critério, certamente, não fez muita diferença para a cantora, com boa presença nas mídias digitais e público abrangente. Quem já acompanhava Mariana pelas redes sociais, sabia de um assunto que ela fez questão de expressar pouco antes de deixar o palco: A artista falou da jornada sem o pai, grande incentivador de sua carreira, falecido em 2020 por complicações da Covid-19. A cantora, bastante aplaudida durante a performance musical, recebeu também o carinho do público por sua resiliência.


A chuva voltou com força quando a banda Káustika subiu ao palco, poucos minutos antes das 19 horas, com Neto, na bateria; Alex Theiss, no baixo; e Santiago, na guitarra e vocal. Durante os ajustes dos instrumentos foi possível ouvir bem o barulho da chuva no telhado do auditório: Batida pesada! O rock no estilo oitentista começou cadenciado pelo som da chuva, o qual foi desaparecendo à medida em que a banda acelerou o ritmo de seus acordes. Parecia algo ensaiado com a própria natureza, a fim de criar um clima intimista, combinando com a temática do Festival. O vocalista Santiago aproveitou para ressaltar a importância de festivais como o Rock Cerrado - Música e Ecologia, exclusivo para apresentar trabalhos próprios: "Nada contra covers (interpretação de músicas de artistas já consagrados), mas a gente faz história quando tem oportunidade de mostrar trabalhos autorais".


Diferentemente do sábado, quando as pessoas entravam e saiam do auditório por causa do calor, o domingo chuvoso proporcionou maior permanência e atenção do público.


Marcelo Marcelino subiu ao palco às 19 horas e 30 minutos. O cantor, compositor e guitarrista adquiriu ao longo da carreira uma aura especial com a plateia, como se fosse uma "entidade do rock ". Além de ter participado de diversas edições do Rock Cerrado - Música e Ecologia, Marcelino destacou-se em outros importantes festivais do País. A apresentação da noite começou com declamação de um poema do cantor, enquanto os parceiros de palco (Moraes, no baixo; e Andynho na bateria) ajustavam os instrumentos. As letras das músicas têm um peso grande no trabalho de Marcelo Marcelino, respeitado como trovador visionário: "(...) Sei que corro perigo, tenho todos os caminhos e estou perdido". A canção "Caminhos" e outras bem conhecidas do público presente arrancaram muitos aplausos durante o show, encerrado com discurso do poeta trovador, contrário a todo tipo de preconceito (racial, religioso, sexual); autoritarismo; e fanatismo político.


A banda Kábula subiu ao palco às 20:10, com Osíris DiCastro, na guitarra; Wagner Marcelo, no baixo; Leo Cavalcante, na bateria; e Ricardo Rocha, no vocal. A banda já esteve presente em praticamente todos os grandes festivais de rock do DF e tem considerável histórico de participações no Rock Cerrado - Música e Ecologia como convidada especial, ao ponto de um dos apresentadores do Festival brincar: "É um prazer tê-los aqui novamente, esperamos estar juntos na próxima edição." Justiça seja feita: a banda Kábula (junto com RA II e ARD, que se apresentaram no sábado, e Marcelo Marcelino, que acabara de deixar o palco) foi uma das grandes responsáveis por resgatar o Rock Cerrado em 2007, depois do Festival ter ficado inativo por alguns anos, época em que Os Parasitas, grupo de produtores que criou o movimento musical e ecológico, estava disperso. Uma das músicas mais aplaudidas da banda Kábula na noite de domingo foi "Remédio pra Louco", cujo tema se encaixou perfeitamente ao contexto do final de 2021.


A atração seguinte mostrou que sempre haverá espaço para veteranos e iniciantes. A banda Mofo foi anunciada como um conjunto formado por jovens do Guará... Isso mesmo: Uma das cidades do DF tem o nome do lobo ameaçado de extinção, outrora abundante no local. Os músicos do Guará subiram ao palco anunciados pelo apresentador Osmar Rocha como promessa de renovação da cena. A moçada não deixou por menos. João Paulo "Mancha" (na bateria); Pedro Dinis (no baixo) e Rodrigo "Shakal" (no vocal e guitarra), apesar da demora no ajuste dos instrumentos, fizeram um show com bastante entrosamento musical e performático, com direito a uma cambalhota espetacular de Rodrigo "Shakal" no palco, sem deixar cair a guitarra. Thrash de responsa — Essa vertente do Heavy Metal surgiu nos anos 1980 e está cada vez mais forte; talvez venha daí o porquê de uma banda tão jovem adotar o nome Mofo.


Fleshpyre subiu ao palco do Rock Cerrado Música e Ecologia no CEM 2 do Gama às 21h46, credenciada pela performance primorosa na fase seletiva de Ceilândia, realizada no Espaço Túnel do Tempo. E foi como se o tempo voltasse! A banda novamente fez uma grande apresentação no estilo death metal, cantando em inglês. Daniel Moscardini (baterista desta banda, que tocou também na mesma noite acompanhando a cantora Mariana Camelo), Diego Lima (guitarra), Victor Xexéu (baixo) e Yuri Sabaorh (vocal) encerraram com vigor a 14ª edição do Rock Cerrado - Música e Ecologia às 22h12min sob aplausos efusivos!


A chuva fina, esmaecendo, parecia dar aval para que todos (público e artistas) voltassem para casa com cabelos secos e almas lavadas... Se bem que entre roqueiros veteranos e jovens que ficaram até o final da noite, havia muita gente carequinha! _______________________ (Nota: O texto desta postagem foi escrito por Tomaz André da Rocha e fará parte do livro Félix Não Vai Voltar. O livro tem como eixo central mudanças que a pandemia impôs às vidas das pessoas, em relação ao comportamento coletivo. No meio disso tudo, tem o Rock Cerrado - Música e Ecologia. O título do livro é por causa do preconceito e crendices da população, fatores que, estimulados pela manipulação social, dificultaram o combate ao coronavirus no Brasil e no mundo. Félix é um gato preto. No início da pandemia, havia o medo de gatos transmitirem a Covid-19 e, sendo preto, o Gato Félix poderia ter corrido riscos se escapasse para a rua na cidade, motivo pelo qual foi levado para morar longe da insanidade urbana. Mas será que, com a mudança para a roça, ele estaria a salvo?!?!. O livro junta crônicas e notícias, entrelaçadas por um romance policialesco baseado em fatos reais. As resenhas dos shows nos dias 18 e 19 de dezembro de 2021 e todas as citações sobre o Rock Cerrado - Música e Ecologia são reais. Tomaz atuou como assessor de imprensa da 14ª edição do Festival.


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